domingo, 4 de maio de 2014


Seguimos mexendo o caldeirão da alquimia moderna: o 117° elemento ~Ununséptio~ se torna oficialmente válido




Historicamente, a "descoberta" dos elementos químicos sempre foi alvo de grande importância aos cientistas que buscavam trazer novas informações ao mundo da alquimia. Já com um número razoável de elementos descobertos e com algumas de suas propriedades conhecidas, o brilhante químico russo Dmitri Ivanovich Mendeleev pôs-se a buscar uma forma elucidativa e lógica para organizar esse conjunto de elementos químicos, que por fim, nos trouxe uma tabela estruturada em 18 colunas e 7 linhas onde, lado a lado e numericamente crescente, os átomos eram ordenados por seu número atômico (Z).
Com o passar das décadas, novos elementos químicos eram descobertos por outros cientistas, dando-lhes grande prestígio e em alguns casos, a honra de terem seus nomes em alguns dos elementos, como o berquélio, einstênio, mendelévio, rutherfórdio, roentgênio etc. Nesses anos de evolução científica e tecnológica, aproveitamo-nos da própria essência da ciência para o desenvolvimento de técnicas de análise e equipamentos cada vez mais sofisticados, precisos e sensíveis que nos auxiliaram na descoberta de um mundo cada vez mais invisível aos olhos, um mundo onde as moléculas e os próprios átomos se tornaram muito grandes. O reino das subpartículas atômicas!
A estrutura da matéria pode chegar ao limiar do que o conhecimento humano já teve acesso experimentalmente e ultrapassar o que a teoria é capaz de prever e explicar por modelos físico-matemáticos. Nesse sentido, a física de partículas de altas energias se torna uma das áreas mais intrigantes e desafiadoras que a ciência pode apresentar. É incrível imaginar que aquela tabela periódica que passamos a conhecer no ensino médio é uma forma extremamente resumida das espécies atômicas que podemos ter no universo, nela temos apenas os elementos estáveis da natureza e aqueles poucos que podem ser produzidos artificialmente em grandes aceleradores de partículas. Veja na figura abaixo a verdadeira tabela que nos mostra todos os possíveis elementos e seus isótopos.


Observem atentamente que, na figura acima, cada quadrado com fundo preto é um elemento químico estável encontrado na natureza e os demais são isótopos (átomos com o mesmo número atômico, mas com massas diferentes) que podem ser formados a partir de vários tipos de reações nucleares. Um bom exemplo, que ampliei na imagem para melhor visualização, é o elemento químico carbono, ele tem dois isótopos estáveis, o carbono-12 e o carbono-13, e conta com outros 13 isótopos instáveis, dando um total de 15 formas diferentes do átomo de carbono que podem ser obtidos.
Se você olhar na tabela periódica convencional, vai perceber que o último elemento natural (disponível na natureza) é o urânio, esse elemento é tão pesado que a natureza não tem a capacidade de fornecer mais energia que aquela usada para manter sua estrutura nuclear integra, por isso os elementos mais pesados que ele, como seus sucessores netúnio, plutônio, férmio, laurêncio, seabórgio etc, só podem ser encontrados como produto de reações nucleares. 

Elementos químicos super-pesados

A ciência estuda os elementos químicos super-pesados, (do inglês, superheavy elements - SHE), há mais de 50 anos. As teorias que abordam os efeitos de camadas em núcleos super-pesados, com Z>114, passou a ser aceita com a evolução dos estudos teóricos da física relativística.
A síntese de elementos pesados e super-pesados é uma área de pesquisa que fascina seus discípulos e busca alcançar resultados nunca antes vistos pela comunidade, a implementação de grandes equipamentos e uma infraestrutura poderosa capaz de fornecer ambientes favoráveis à criação desses elementos por reações é o maior desafio das equipes que operam nos maiores aceleradores de partículas de todo o mundo.
Na ciência do século XXI, o laboratório mais importante para descobrir elementos novos é um acelerador de partículas. Atualmente já não podemos mais chamá-los de equipamento e sim de laboratório. Os aceleradores mais potentes do mundo ocupam áreas enormes em laboratórios embaixo da terra, como exemplo, o famoso e imponente Large Hadron Collider (LHC), operado e instalado nas dependências do The European Organization for Nuclear Research (CERN).

A busca pelos elementos com Z>114

A Rússia ganha muitos pontos por ter um grande avanço na área de estudos de elementos super-pesados. Uma das formas de se obter esses elementos é por reações em sistemas do tipo Dubna Gas-Filled Recoil Separator (DGFRS), do Laboratório de Reações Nucleares Flerov, em Dubna, na Rússia. Seguindo esse sistema de reações, alguns experimentos já puderam evidenciar a presença de elementos com Z>118. A União Internacional de Química Pura e Aplicada (IUPAC) já havia aprovado a descoberta dos elementos de número atômico 114 e 116, oficialmente nomeados de flerovium (Fl) e livermorium (Lv), respectivamente.
A busca pelo elemento químico ununséptio com número atômico (Z) igual a 117 é um grande passo para o entendimento da formação dos elementos químicos e assim uma forma de complementar a tabela das espécies atômicas que podem existir, mesmo que por um espaço de tempo muito curto, no universo.

O elemento Z=117

Publicado na Physical Review Letters (112, 2014), os estudos de pesquisadores da Helmholtz Institute Mainz e colaboradores trazem a confirmação que tanto aguardavam para validar a descoberta do elemento ununséptio (Z=117), os pesquisadores já haviam divulgado a descoberta do elemento em 2010, mas para que o mesmo pudesse ser validado e oficialmente aceito pela IUPAC, eles precisavam que outras equipes pudessem reproduzir a descoberta, o que aconteceu finalmente.
As teorias que estudam e modelam a formação de núcleos super-pesados a partir de reações nucleares específicas nos indicam a formação de elementos com tempos de meia-vida (T1/2) altos, o que permite que estes elementos permaneçam estáveis por mais tempo antes de decaírem, isso dá origem ao que chamamos de "ilha de estabilidade". Essa característica foi verificada por estudos que demonstraram maior potencial de formação para reações induzidas por isótopos de cálcio com massa 48 (Ca-48) atirados contra alvos formados por elementos actinídeos.
As primeiras evidências dos isótopos deste elemento vieram de trabalhos em colaboração com a Rússia (DGFRS), as reações de fusão partiram de Ca-48 + Bk-249 (Ca-48, 3-4n), dando origem aos isótopos de massas 293 e 294 do elemento descoberto.

O experimento

O set-up do experimento foi feito em um sistema denominado gas-filled TrasnsActinide Separator and Chemistry Apparatus (TASCA), seguindo o esquema abaixo:


Na estrutura do sistema, foram montados 4 alvos com área de 6 cm2 dispostos em um suporte circular que foi rotacionado sincronizadamente com o feixe. A média de intensidade do feixe foi de 4,7E12 s-1 e as energias médias estimadas do feixe no centro dos alvos foram de Elab=252,1(21), 254,0(21) e 258,0(21) MeV.


No total, foram identificadas e correlacionadas 4 cadeias de eventos de decaimento nas energias trabalhadas, sendo duas cadeias de decaimento longo e 2 cadeias de decaimento curto. As cadeias de decaimento longo foram selecionadas nos estudos e podem ser vistas na representação abaixo.


É possível identificar que ambas as cadeias de eventos terminam em eventos de fissão espontânea, também é possível verificar que ocorreram 7 eventos de decaimento do tipo alfa até o produto de número atômico 103 (laurêncio, Lr-266). Na cadeia #1, os eventos de decaimento alfa foram medidos em períodos sem feixe, apenas o evento alfa de número 6 foi detectado durante a incidência de feixe aberto. Na cadeia #2, um total de 6 eventos de decaimento alfa e um evento de fissão espontânea foram detectados durante o período sem feixe.
Os cálculos teóricos e estatísticos envolvidos em experimentos como este são muito complexos e requerem um refinamento muito bem desenvolvido, todos os valores apresentam uma nível de confiabilidade que possa ser aceitável numa correspondência de experimentos de verificação. O trabalho publicado deixa evidente uma séries de análises, complementando toda discussão com dados colhidos e calculados das propriedades dos decaimentos dos produtos originados do isótopo 117-294, como pode ser visto na tabela abaixo:


Os estudos publicados indicam que os resultados obtidos das medidas de decaimento da evaporação de resíduos com Z>116, após reação nuclear, condizem com interações de Ca-48 com Bk-249 ou Cf-249, originando os isótopos 117 de massas 293 e 294 (117-293 e 117-294).



Com essa confirmação, passamos então a contar com uma tabela periódica mais completa e com maiores informações a respeito da formação de matéria no universo.





Publicação consultada:
KHUYAGBAATAR, J. et al. 48Ca + 249Bk fusion reaction leading to elemento Z=117: Lond-lived α–decaying 270Db and discovery of 266Lr. Phys. Rev. Lett. (112) 172501, 2014.